Da Idade Média à Revolução Francesa, a música sempre foi um dos pilares de nossa cultura, de nossa vida. Compreendê-la fazia parte da cultura geral. Hoje, no entanto, ela se tornou um simples ornamento que permite preencher noites vazias com idas a concertos ou óperas, organizar festividades públicas ou, quando ficamos em casa, com a ajuda dos aparelhos de som, espantar ou enriquecer o silêncio criado pela solidão. Donde o paradoxo: ouvimos, atualmente, muito mais música do que antes — quase ininterruptamente — mas esta, na prática, representa bem pouco, possuindo não mais que uma mera função decorativa.
Os valores que os homens dos séculos precedentes respeitavam não nos parecem, hoje, importantes. Eles consagravam todas suas forças, todos seus esforços e todo seu amor a construir templos e catedrais, ao invés de dedicarem-se à máquina e ao conforto. O homem de nossa época dá mais valor a um automóvel ou a um avião que a um violino, mais importância ao planejamento de um aparelho eletrônico que a uma sinfonia. Pagamos preço bem alto por aquilo que nos parece o cômodo, o indispensável; sem nos darmos conta, rejeitamos a intensidade da vida em troca da sedução enganadora do conforto — e aquilo que verdadeiramente perdemos, jamais recuperaremos.
(O discurso dos sons, Nikolaus Harnoncourt)