Atualmente, definimos a música como um conjunto ordenado de sons que despertam estímulos sensoriais em nós; entrando no mundo da subjetividade, a música será mais bela se despertar sensações mais agradáveis. Em tom de diagnóstico, os mais puristas vão reforçar que só as músicas clássicas e antigas são belas o suficiente para nos levar até esse lugar de delícias. Apesar do desconcerto dessa avaliação, será que podemos qualificar a música somente a partir destes critérios estéticos apenas?
Um renomado regente, bastante afeito a instrumentos e performances de época, declarou que a música atual está tão superficial que olhamos para as músicas antigas e declaramos que são apenas mais belas que as atuais. Uma outra pensadora, agora falanado do ser humano atemporal, afirmou que não estamos ouvindo a verdadeira música, estamos entretidos com a superfície e com o caleidoscópio colorido do cenário musical atual. Ela complementa dizendo que é fácil ser levado pelos sentimentos que a música desperta, ser envolvido pelos sedutores toques dos sons, mas como todo fenômeno puramente emotivo, logo se encerra e somos trazidos de volta para a falta de cor do cotidiano comum. Mas o apreciador mais persistente, ao longo de sua jornada de aproximação da música, vai percebendo que a resposta ao título deste artigo é mais profunda, que não se resume na satisfação de um conjunto de sensações.
Outra pista que pode nos levar a essa resposta é a unanimidade quando se considera as obras dos grandes gênios da música. Parece pouco provável que sejam o resultado de uma obstinada disciplina e treinamento para chegar ao resultado que apreciamos, pois em alguns casos essas obras são criadas por jovens autores. É claro que esses valores fizeram parte da oferta desses grandes gênios, mas não se restringe a eles. Inspiração, talento, genialidade e outros adjetivos se aproximam da resposta e ilustram o argumento que a música não é uma criação deste mundo materialista e superficial.
Já para Platão, o conceito de música vai muito além do mero entretenimento "epitelial"; é uma força divina e pedagógica fundamental para a formação do caráter (o ethos) do indivíduo e a harmonia da cidade (a Pólis). O mestre ateniense afirma que a música tem um poder mimético, capaz de imitar e inspirar estados de alma. Uma alma criada na desordem musical não saberá reconhecer a beleza da virtude e tenderá ao vício. Uma alma nutrida pela harmonia musical se alegrará com o Bem e o Belo, tornando-se, ela mesma, virtuosa. Além da função ética, a música para Platão (e aqui ele bebe muito da fonte pitagórica) é uma expressão da ordem matemática do universo.
Outro ensinamento metafísico e universal de Platão, o Triplo Logos Solar, ajuda a entender a natureza da música, aproximando o Belo do conceito platônico do Bem:
- O Bem, o Pai, a Causa Suprema é a fonte de todas as outras ideias. Assim, o primeiro logos é a fonte da Beleza arquetípica.
- As ideias e as formas arquetípicas são as matrizes de tudo o que existe. Assim, o segundo logos é a fonte de toda a vida.
- O sol físico é a manifestação visível do Bem e das ideias. Assim, o terceiro logos expressa através da música a Beleza e a Vida.
Quando olhamos para a vida com olhar mais atento e profundo, o que mais chama a atenção é o tamanho perfeito das coisas, o ritmo constante da natureza, a melodia da vida e a harmonia do Cosmos, e esses são elementos que compõem a música. A música(terceiro logos) é a beleza(primeiro logos) da vida(segundo logos). Ela vem de regiões celestes distantes e se deixa captar por gênios inspirados que nos aproximam da harmonia do Universo.