O tema desta peça é uma colheita do excelente "O discurso dos sons" de Nikolaus Harnoncourt. O autor desenvolve o tema da retórica musical afirmando que a música hoje está tão perdida, tão sem sentido, que olhamos para a música antiga e nos encantamos apenas com a sua beleza; só que ela é a só a porta de entrada para a tônica da música, para o discurso dos sons.
O autor, um regente musical com predileção por instrumentos de época e música antiga, reúne vários artigos em um livro que não é linear na sua argumentação mas que imita a música de tempos passados e transmite um idéia única: a apreciação da música exige a compreensão da retórica musical que as peças, pelo menos as antigas, transmitem. Não é um livro técnico, musicalmente falando, mas denso no diálogo e na temática que descreve interpretações, performances e o seu resultado musical. Um apreciador de música mais experimentado vai ouvir e entender melhor o que o autor quer dizer e para aqueles que carecem de vocabulário, o texto é um convite urgente à redescoberta do mundo musical.
A música antiga, especialmente a dos períodos Barroco e Clássico, "fala por sons". Não se trata apenas de uma mensagem estética muito bem composta e arranjada para gerar um efeito catártico na audiência. Há um motivo maior por trás, uma linguagem não verbal, que persuadem, comovem e agitam a nossa alma, exatamente como um grande orador. O "belo pelo belo" da apreciação moderna nos desvia do eloquente significado que o compositor quis nos transmitir. Também é verdade que as mensagens musicais são datadas, no sentido que para que possamos atingí-las precisamos recriar o contexto original do seu discurso, a partir das propriedades sonoras sabiamente arranjadas para refletirem um tempo que não existe mais. O corpo pode ser moderno mas a alma que música vai entregar tem que ser antiga, senão o discurso se torna ilegível.
O livro é uma obra transformadora, uma revelação. Após sua leitura, uma sonata, uma cantata ou uma ópera antiga jamais soarão da mesma forma. Deixarão de ser imagens de um museu da música antiga, visitadas apenas por fiéis estetas em salas de concerto em ocasiões cada vez mais raras, para se tornarem discursos vivos, pulsantes e urgentemente relevantes.